A execução orçamentária e as possibilidades de controle social das políticas públicas promotoras de direitos econômicos, sociais e culturais

A execução orçamentária e as possibilidades de controle social das políticas públicas promotoras de direitos econômicos, sociais e culturais

Elaborado em 01/2011.

Adriana Estigara | Daniela Musskopf

Uma adequada condução do orçamento, aliada ao controle social do mesmo, é determinante para o sucesso das políticas públicas promotoras de direitos socioambientais. A partir desse pressuposto, almeja-se vislumbrar as possibilidades do exercício do direito de fiscalização pela população quanto à eficiência e à observância dos parâmetros constitucionais, a ser exercido sobre a execução orçamentária, a fim de voltar essa execução à concretização do interesse público, condizente com a realização de políticas públicas.

Os “direitos econômicos, sociais e culturais” marcam o fomento do discurso social da cidadania, sob o jugo do qual se passa a exigir atuação estatal em prol da igualdade, ou seja, políticas públicas. À diferença dos direitos civis e políticos, em que a obrigação do Estado se reduz ao respeito e à proteção, os direitos econômicos, sociais e culturais requerem também implementação. Assim, o mero acolhimento dos direitos econômicos, sociais e culturais na carta constitucional não é garantia de gozo e fruição dos mesmos, já que estes dependem da realização de políticas públicas e, estas, por sua vez, da existência de recursos orçamentários. [01]

As políticas públicas são consideradas por Maria Paula Dallari Bucci programas de ação governamental destinados a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. [02]

As políticas promotoras de direitos fundamentais, todavia, têm um limite, em especial por razões de ordem orçamentária. Para Flávia Piovesan, enquanto os direitos civis e políticos (DCPs) são, na maioria dos casos, auto-aplicáveis, os DESCs são programáticos e, como tais, demandam aplicação progressiva (Princípio da Progressividade), já que “a realização integral e completa desses direitos, em geral, não se faz possível em um curto período de tempo”. [03] Ademais, não podem ser os mesmos implementados sem que exista um mínimo de recursos econômicos disponível, um mínimo standard técnico-econômico, um mínimo de cooperação econômica internacional. [04]

Ricardo Lobo Torres aduz que “sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo” [05].

Embora a doutrina aceite a ideia de que os DESCs são realizáveis progressivamente, ensina Flávia Piovesan, que do próprio princípio decorre a cláusula de proibição do retrocesso social, “na medida em que é vedado aos Estados retrocederem no campo de implementação desses direitos. Vale dizer, a progressividade dos DESCs proíbe o retrocesso ou a redução de políticas públicas voltadas à garantia desses direitos” [06], sendo o controle social também importante para tal desiderato.

Assim, é de se considerar as forças envolvidas no contexto do orçamento: demandas sociais e limitação de receita.

Segundo doutrina de Mauro R. M. dos Santos, para quem “tanto no processo de elaboração da lei, como na sua execução, o orçamento é um dos elementos estruturantes da gestão pública. Pelo orçamento podemos identificar as prioridades de um governo, sua capacidade de resposta às demandas sociais, como também sua capacidade de implementar as políticas públicas. O orçamento expressa as diretrizes (mesmo que formais) do plano anual do governo em cada política pública”. [07]

Harada, já fazendo uma ponte entre orçamento e controle social, diz que não existe mais lugar para orçamento que não leve em conta os interesses da sociedade, daí porque o orçamento sempre reflete um plano de ação governamental, sendo representativo da vontade popular, o que justifica a crescente atuação legislativa no campo orçamentário. [08]

Como se percebe, a execução de políticas públicas depende não só da vontade política e das reivindicações populares, mas também, da existência de recursos públicos para que tais políticas possam ser executadas, da previsão de tais gastos no orçamento público, bem como da realização de tais despesas, no contexto da chamada “execução orçamentária”.

Evidentemente, não basta o Estado informar que não dispõe de tais recursos, é preciso comprovar que os mesmos não existem ou que não existem na quantidade suficiente para a execução das políticas públicas, ou ainda que a destinação dos mesmos a determinada política pública não foi orçada, por exemplo: pela existência de um programa ou política públicos mais urgente.

A participação imediata da sociedade no controle do Estado, especialmente no que tange à formulação e à implementação de políticas públicas, tendo como finalidade aumentar a eficiência da atividade governamental, a transparência e a publicidade dos atos da administração pública e a democratização do sistema político, depende, umbilicalmente dos instrumentos disponibilizados pela legislação, para que o controle social se realize.

Tem-se o orçamento [09] [10] como instrumento de que dispõe o Poder Público para expressar, em determinado período de tempo, seu programa de atuação, suas políticas, discriminando a origem e o montante dos recursos obtidos, bem como a natureza e o montante dos dispêndios a serem efetuados [11] e que acaba sendo o espaço onde predominará o interesse público que, na oposição com outros, merece num dado momento maior atenção dos governos, até porque, como comumente se diz, o orçamento representa um espaço de luta política, onde as diferentes forças da sociedade buscam inserir seus interesses.

No campo do controle, existem os remédios constitucionais da ação popular, e a ação civil pública (art. 129, II e III, CF/88 e Lei 7.347/85), sendo aquela para questionar judicialmente a validade de atos que considera lesivos ao patrimônio público e à moralidade administrativa e esta instrumento processual de que pode se valer o MP e outros legitimados para compelir o poder público a realizar políticas públicas, sendo constantes os casos relativos ao acesso a medicamentos, à abertura de vagas em escolas, etc (judicialização das políticas públicas).

Os controles exercidos sobre as contas do Poder Público, como o sistema fiscalizatório interno (art. 74 da CF/88), o controle externo (artigo 70, caput), que convivem entre si, harmônicos, integrados e sistêmicos, o controle privado (artigo 70, § único, da Constituição). O controle social pertence ao campo da accountability, esta entendida como “o elo de ligação entre sociedade e Estado, constituindo-se na obrigação de prestar contas e assumir responsabilidades perante os cidadãos imposta àqueles que detêm o poder do Estado” [12]. A accountability, por sua vez, tem por finalidade criar transparência e, por conseguinte, condições de confiança entre governantes e governados, por meio da explicitação e a cobrança dos objetivos e das intenções da política, do desempenho e dos resultados e da probidade e da integridade.

O controle social propõe a participação imediata da sociedade no controle do Estado, especialmente no que tange à formulação e à implementação de políticas públicas, tendo como finalidade aumentar a eficiência da atividade governamental, a transparência e a publicização dos atos da administração pública e a democratização do sistema político. [13]

Na atual conjuntura, marcada pela democracia participativa e pela cidadania ativa, o orçamento não pode ser um processo coordenado apenas pelo Estado e pelos agentes políticos, sendo imprescindível que a sociedade, atuante no campo das políticas públicas, dele participem, no sentido de nele definirem as políticas e programas públicos clamados pelo interesse público num dado momento, os recursos necessários à realização dos mesmos, bem como a constante fiscalização para que os valores sejam aplicados efetivamente nas ações previstas no orçamento e da forma como por ele preconizado, evitando-se, especialmente, fraudes e corrupção.

Assim, a participação social na estruturação do orçamento público e o acompanhamento de sua execução se faz imprescindível para que os recursos necessários à concretização das políticas públicas sejam incluídos no orçamento, bem como, para que, uma vez reservados, sejam aplicados ao destino previsto, no contexto de uma adequada execução orçamentária.

Bresser Pereira [14], a propósito, aponta como estratégia atual de defesa do interesse público e dos direitos de cidadania o aprofundamento da democracia, considerando fundamental para isso o desenvolvimento de um espaço público de controle social, complementando os mecanismos da democracia representativa.

Segundo Juarez de Freitas [15], o controle social corresponde ao “exercício do direito fundamental de, preferencialmente em movimentos sociais, exercer a fiscalização direta da atividade pública quanto à eficiência e à observância dos limites estabelecidos pela Constituição, sem prejuízo de outras modalidades de controle. Eis portanto o duplo mister do controle social: impedir abusos e controlar diretamente, desde o nascedouro, as opções do administrador público”.

Segundo Antônio Ivo Carvalho [16], “o termo controle social foi recentemente apropriado pelo senso comum que inverteu seu significado original estabelecido pela Sociologia e pela Psicologia. De conceito descritivo do processo de influência e domínio coletivo (Estado) sobre o individual (grupos sociais) transforma-se em conceito operacional para designar o processo e os mecanismos de controle da sociedade sobre o Estado”.

Assiste-se à consagração de instrumentos de transparência da gestão fiscal, considerados essenciais para o controle social dos gastos públicos, essencialmente pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei nº. 101/2000). A finalidade desta foi formular regras de finanças públicas para a responsabilidade da gestão fiscal, razão pela qual instituiu o planejamento e a transparência como seus pilares.

Com tudo isso, a LRF busca tornar transparentes os objetivos, as metas e os resultados da gestão fiscal (esperados e verificados), porque um dos principais objetivos da LRF é fortalecer o processo orçamentário como peça de planejamento, prevenindo desequilíbrios indesejáveis, além de buscar a transparência na gestão pública, importante instrumento para o controle social dos gastos públicos.

Em que pese o incipiente desenvolvimento de mecanismos de controle social, o fato é que o ordenamento jurídico brasileiro já prevê alguns, em razão do que deve ser homenageado, assim como o uso dos mesmos fomentado.

Além dos próprios planos plurianuais, leis orçamentárias anuais e leis de diretrizes orçamentárias, prestações públicas de contas e o respectivo parecer prévio, a LRF proporciona outros instrumentos que auxiliam no exercício do controle social:

Além dos próprios planos plurianuais, leis orçamentárias anuais e leis de diretrizes orçamentárias, prestações públicas de contas e o respectivo parecer prévio, a LRF proporciona outros instrumentos que auxiliam no exercício do controle social:

a) participação popular e audiências públicas (art. 48 da LRF): “a transparência será assegurada também mediante o incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, das leis de diretrizes orçamentárias e orçamentos“.

b) demonstrações contábeis obrigatórias relativas à execução orçamentária: os arts. 52 a 55 e 72, da LRF, instituem um conjunto de demonstrações contábeis obrigatórias, a serem utilizadas pelos entes federativos para cumprimento, quando da prestação de contas ao Tribunal de Contas. Tais instrumentos são: Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) e o Relatório de Gestão Fiscal (RGF). O Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO) decorre do artigo 165, § 3º, da Constituição, onde se prevê que “o Poder Executivo publicará, até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, relatório resumido da execução orçamentária”. O artigo 52 da LRF o disciplina, dispondo que abrangerá todos os Poderes e o Ministério Público, será publicado até trinta dias após o encerramento de cada bimestre, sob pena de, até a regularização, se impedir o recebimento das transferências voluntárias e a contratação de operações de crédito, exceto as destindas ao refinanciamento do principal atualizado da dívida mobiliária. O Relatório de Gestão Fiscal (RGF), disciplinado pelo artigo 54 da LRF, será emitido ao final de cada quadrimestre pelos titulares dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e pelo Ministério Público (30/05, 30/09 e 30/01 do ano subsequente). Tal relatório conterá comparativo com os limites de que trata a LRF: a) despesa total com pessoal; b) dívidas consolidada e mobiliária; c) concessão de garantias; d) operações de crédito. Será publicado até trinta dias após o encerramento do período a que corresponder, com amplo acesso ao público, inclusive por meio eletrônico.

c) Contas disponíveis durante todo o exercício – artigo 48 da LRF: “as contas apresentadas pelo Chefe do Poder Executivo ficarão disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Poder Legislativo e no órgão técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos cidadãos e instituições da sociedade”.

Digno de nota é o artigo 58 da LRF, segundo o qual “a prestação de contas evidenciará o desempenho da arrecadação em relação à previsão, destacando as providências adotadas no âmbito da fiscalização das receitas e combate à sonegação, as ações de recuperação de créditos nas instâncias administrativa e judicial, bem como as demais medidas para incremento das receitas tributárias e de contribuições”.

É possível que o interesse público, relativo especialmente à realização de políticas públicas para a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais, se concretize, a partir da promoção do controle social, haja vista resultados práticos já evidenciados, basta citar os excelentes resultados obtidos pela ONG Transparência Brasil, sua normatização em tratados e na legislação doméstica. Em que pese isso, pensando-se na contribuição para o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle social, o sistema de controle poderia evoluir a partir das seguintes premissas: a) um maior acesso da população à informação, especialmente em meio eletrônico, eis que, como afirma a ONG Transparência Brasil, a informação é o oxigênio da democracia, e imprescindível para possibilitar o controle social; b) que essa informação seja acessível à população, por meio da publicação balanços sociais, em linguagem simplificada, e o uso de informações quantitativas, não-monetárias, gráficos, informações qualitativas e a substituição de terminologias técnicas por sinônimos mais populares e que c) se fomente uma cultura de controle social.


Notas

  1. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 169.
  2. BUCCI, MariaPaulaDallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 241.
  3. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 170.
  4. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 170.
  5. TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 129.
  6. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7. ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 171.
  7. SANTOS, Mauro Rego Monteiro dos. Como exercer o controle social sobre o orçamento. Disponível em: http://www.fase.org.br/v2/admin/…/10_Mauro%Santos%20-26.doc.. Acesso em 10 dez.10).
  8. HARADA, Kiyoshi. DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO. São Paulo: Atlas, 2003, p. 75.
  9. Harada afirma que, classicamente, o “orçamento é conhecido como uma peça que contém a aprovação prévia da despesa e da receita para um período determinado” (HARADA, Kiyoshi. DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO. São Paulo: Atlas, 2003, p. 75). Para Balleiro, “o orçamento é considerado o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei” (BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 397).
  10. O embasamento constitucional do orçamento encontra-se entre os artigos 165 e 168 da Constituição, e o infraconstitucional na Lei nº. 4.320/64, que estatui normas para a elaboração e controle dos orçamentos, e na Lei Complementar nº. 101/2000, lei de responsabilidade fiscal.
  11. PISCITELLI, Roberto Bocaccio et. al. Contabilidade Pública: uma abordagem da administração financeira pública. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1997.
  12. PEREIRA, Paulolinto. Controle social no orçamento-programa: um enfoque na Administração Pública Municipal. Disponível em: http://www.niltonandrade.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=48&Itemid=61> Acesso em 14 abr. 2009.
  13. PEREIRA, Paulolinto. Controle social no orçamento-programa: um enfoque na Administração Pública Municipal. Disponível em: http://www.niltonandrade.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=48&Itemid=61> Acesso em 14 abr. 2009.
  14. PEREIRA, L. C. Bresser, WILHEIM, Jorge, Sola, Lourdes. Sociedade e Estado em Transformação. São Paulo: Ed. Unesp, Brasília, DF: Enap, 1999.
  15. FREITAS, Juarez. A democracia como princípio jurídico. In: FERRAZ, Luciano; MOTTA, Fabrício. Direito Público moderno. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 167-197.
  16. CARVALHO, Antônio Ivo. Controle social: aparato regulatório e práticas emancipatórias. In: V Conferência Municipal de Saúde de BH: Cadernos de textos. Belo Horizonte, 1996.