Foi publicada em 19/07/2010 a Medida Provisória n° 495, que introduziu algumas inovações e alterações importantes na Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei que regula Licitações e Contratos na Administração Pública), tendo como móvel fomentar o desenvolvimento nacional.
As alterações estão contidas no caput e os §§ 1° e 2° do artigo 3° e propõe a inclusão dos parágrafos 5º a 12 a esse dispositivo, bem como referências correlatas nos seguintes. Outras modificações referem-se à inclusão dos incisos XVII, XVIII e XIX ao artigo 6º, bem como à inserção do inciso XXXI ao artigo 24 e do inciso V ao artigo 57. Por fim, estabelece-se em seu art. 2º que o disposto na Medida Provisória se aplica à modalidade licitatória denominada pregão, de que trata a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002.
Vejamos cada uma delas:
“Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional, e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifou-se)§ 1º (…)§ 2º ………………………………………………………………..§ 5º Nos processos de licitação previstos no caput, poderá ser estabelecida margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras.“Art. 6º ………………………………………………………….“Art. 24. (…)“Art. 57. (….)Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002.
O art. 3° enumera os fins buscados pela licitação e indica os princípios jurídicos mais relevantes a que a licitação se subordina, vinculando-se diretamente ao art. 37 da CF e indiretamente a inúmeros outros dispositivos constitucionais. A enumeração não possui cunho exaustivo e cada princípio está diretamente referido aos demais.
O artigo no seu modelo original previa como fins buscados pela licitação: a obediência ao princípio constitucional da isonomia e a obtenção da proposta mais vantajosa. A inovação está por conta da inclusão de mais um objetivo que é a promoção do desenvolvimento nacional.
A modificação do caput do artigo 3º visa agregar às finalidades das licitações públicas o desenvolvimento econômico nacional. Com efeito, a medida consigna em lei a relevância do poder de compra governamental como instrumento de promoção do mercado interno, considerando-se o potencial de demanda de bens e serviços domésticos do setor público, o correlato efeito multiplicador sobre o nível de atividade, a geração de emprego e renda e, por conseguinte, o desenvolvimento do país. É importante notar que a proposição fundamenta-se nos seguintes dispositivos da Constituição Federal de 1988: (i) inciso II do artigo 3º, que inclui o desenvolvimento nacional como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil; (ii) incisos I e VIII do artigo 170, atinentes às organização da ordem econômica nacional, que deve observar, entre outros princípios, a soberania nacional e a busca do pleno emprego; (iii) artigo 174, que dispõe sobre as funções a serem exercidas pelo Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica; e (iv) artigo 219, que trata de incentivos ao mercado interno, de forma a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem estar da população e a autonomia tecnológica do país”. [01]
O inciso I, §1° do art. 3° também foi alvo de alteração pela MP n ° 495/2010. Senão vejamos:
Art. 3° (…)
I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991.(…)
A competição é um dos principais elementos do procedimento licitatório. Deve-se compreender que a disputa entre os eventuais interessados possibilita a administração alcançar um melhor resultado no certame, auferindo uma proposta vantajosa.
O § 1° do art. 3° reprova a adoção de cláusulas discriminatórias fundadas em critérios não pertinentes ou não relevantes para o objeto da contratação.
O inciso I, § 1° do art. 3° traz uma vedação dirigida aos responsáveis pela elaboração do ato convocatório, os quais não poderão prever cláusulas que restrinjam ou frustrem a competição.
A novidade está em ressalvar o disposto nos §§ 5° a 12 do art. 3° da Lei n° 8.66693, todos incluídos pela MP n° 495/2010, que tratam da margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras e no art. 3° da Lei n° 8.248, de 23 de outubro de 1991, que dá preferência, nas aquisições de bens e serviços de informática e automação.
Dessa forma a MP inseriu duas exceções à regra da proibição de cláusulas discriminatórias, entendendo que esses dois casos não estão classificados como condições restritivas de participação.
O § 2° do art. 3° contempla os critérios genéricos de desempate destinados a favorecer a indústria nacional. Ocorre que essas regras passaram a não ter aplicação após a publicação da EC n° 06/95 que revogou integralmente o art. 171 da CF.
Nesse sentido é a lição de José dos Santos Carvalho Filho:
Essas regras foram editadas ao tempo em que vigorava o art. 171 e § 2° da CF. Não obstante, a EC n° 06/95 revogou integralmente o art. 171, eliminando as distinções e preferências que enunciava, e, por conseguinte, qualquer vantagem em relação a empresas brasileiras desse ou daquele tipo. Ao fazê-lo, o Constituinte deixou de recepcionar todos os dispositivos legais que contrariassem a nova definição constitucional, entre eles o art. 3°, § 2°, I a III do estatuto. Em conseqüência, referidos dispositivos perderam eficácia diante da nova diretriz constitucional. [02]
A MP n° 495/2010, restabeleceu a aplicação desse dispositivo, vejamos:
Art. 3° (…)
(…)
I – produzidos no País;
II – produzidos ou prestados por empresas brasileiras; e
III – produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País.
Assim, no caso de empate a preferência será dada na seguinte ordem: bens e serviços produzidos no País, após bens e serviços prestados por empresas brasileiras e por fim, aqueles produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no Brasil.
Os novos parágrafos inseridos no referido art. 3° tratam da margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras.
O parágrafo 5º do artigo 3º da Lei nº 8.666, de 1993, permite que o Poder Executivo estabeleça margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais que atendam normas técnicas brasileiras. O § 6º do referido artigo estipula a margem de preferência, por produto, serviço, grupo de produto ou grupo de serviços em até 25% acima do preço dos produtos manufaturados e serviços estrangeiros.
Observa-se que a preferência prevista pela norma para produtos manufaturados e serviços nacionais não é auto aplicável, uma vez que a margem de preferência será definida pelo Poder executivo federal, devendo a regulamentação a ser expedida observar o limite de até 25% acima dos produtos manufaturados e serviços estrangeiros.
Vejamos os §§ 5° a 12 inseridos no art. 3° da Lei n° 8.666/93, in verbis:
§ 6º A margem de preferência por produto, serviço, grupo de produtos ou grupo de serviços, a que refere o § 5º, será definida pelo Poder Executivo Federal, limitada a até vinte e cinco por cento acima do preço dos produtos manufaturados e serviços estrangeiros.
§ 7º A margem de preferência de que trata o § 6º será estabelecida com base em estudos que levem em consideração:
I – geração de emprego e renda;
II – efeito na arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais; e
III – desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País.
§ 8º Respeitado o limite estabelecido no § 6º, poderá ser estabelecida margem de preferência adicional para os produtos manufaturados e para os serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País.
§ 9º As disposições contidas nos §§ 5º, 6º e 8º deste artigo não se aplicam quando não houver produção suficiente de bens manufaturados ou capacidade de prestação dos serviços no País.
§ 10. A margem de preferência a que se refere o § 6º será estendida aos bens e serviços originários dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul – Mercosul, após a ratificação do Protocolo de Contratações Públicas do Mercosul, celebrado em 20 de julho de 2006, e poderá ser estendida, total ou parcialmente, aos bens e serviços originários de outros países, com os quais o Brasil venha assinar acordos sobre compras governamentais.
§ 11. Os editais de licitação para a contratação de bens, serviços e obras poderão exigir que o contratado promova, em favor da administração pública ou daqueles por ela indicados, medidas de compensação comercial, industrial, tecnológica ou acesso a condições vantajosas de financiamento, cumulativamente ou não, na forma estabelecida pelo Poder Executivo Federal.
§ 12. Nas contratações destinadas à implantação, manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de informação e comunicação, considerados estratégicos em ato do Poder Executivo Federal, a licitação poderá ser restrita a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País e produzidos de acordo com o processo produtivo básico de que trata a Lei nº 10.176, de 11 de janeiro de 2001.” (NR)
Com isso, produtos nacionais podem ganhar a concorrência mesmo custando até 25% mais caro.
A inovação não ficou imune às críticas, vejamos o artigo retirado da Revista Zênite de licitações e Contratos- ILC:
Sem embargo, a preferência ao produto nacional deve descambar para espécie de reserva de mercado, o que, ao fim e ao cabo, revela-se desvantajosa, como comprovado historicamente. O capitalismo é centrado na competição, e nada pior para a competição do que a zona de conforto forjada por regras de proteção. As empresas deixam de inovar, investir e reduzir custos.
Com vantagem de até 25% para os nacionais, é crível supor que os estrangeiros nem se anime a oferecer propostas. A tendência é minguar a competição, afastando os licitantes estrangeiros, deixando os nacionais sozinhos, bem acomodados para oferecerem preços mais elevados e ampliarem os seus ganhos às custas do erário. [03]
Continua o autor:
De mais a mais, quantos empregos devem ser mantidos ou criados para compensar o pagamento a maior pela Administração Pública? Enfim, quanto custa um novo emprego ou a manutenção de um emprego? Qual o impacto para o Estado Brasileiro? Por exemplo, vale a pena pagar dez milhões de reais a mais em contrato administrativo em troca da criação de dez novos postos de trabalho? Como mensurar o quanto vale a pena pagar a mais em contrato administrativo por dez novos postos de trabalho? [04]
Entendo pertinente a crítica, uma vez que, contratar proposta até 25% mais cara ofende os objetivos básicos da licitação que é a busca do melhor preço (custo/benefício) para a Administração e a garantia de igualdade entre os licitantes previstos no art. 37, XXI da CF.
A garantia do desenvolvimento nacional deve ser defendida e fomentada e, nesse sentido, a intervenção do Estado é imprescindível, porém acredito que essa não é a melhor forma, mas sim por meio de políticas de governo, diminuição dos impostos, entre outros.
Com as inovações trazidas pela MP n° 495/2010, para evitar dúvidas na interpretação, foi inserido no art. 6° os incisos XVII, XVIII e XIX trazendo os conceitos de produtos manufaturados nacionais, serviços nacionais e sistemas de tecnologia de informação e comunicação estratégicos.
………………………………………………………………………
XVII – produtos manufaturados nacionais – produtos manufaturados, produzidos no território nacional de acordo com o processo produtivo básico ou regras de origem estabelecidas pelo Poder Executivo Federal;
XVIII – serviços nacionais – serviços prestados no País, nas condições estabelecidas pelo Poder Executivo Federal;
XIX – sistemas de tecnologia de informação e comunicação estratégicos – bens e serviços de tecnologia da informação e comunicação cuja descontinuidade provoque dano significativo à administração pública e que envolvam pelo menos um dos seguintes requisitos relacionados às informações críticas: disponibilidade, confiabilidade, segurança e confidencialidade.” (NR)
O art. 24 elenca de forma taxativa os casos de dispensa de licitação. Para José dos Santos Carvalho Filho “a dispensa de licitação, caracteriza-se pela circunstancia de que, em tese, poderia o procedimento ser realizado, mas que, pela particularidade do caso, decidiu o legislador não torná-lo obrigatório.” [05]A MP n° 495/2010 incluiu mais um caso onde é permitido ao Administrador não realizar a licitação. Trata do cumprimento do disposto em artigos da chamada Lei de Inovação, Lei n° 10.973/2004, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo. Vejamos:
(…)
XXXI – nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3º, 4º, 5º e 20 da Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados os princípios gerais de contratação dela constantes.
Por fim foi acrescido o inciso V ao art. 57, que dispõe sobre a definição de prazo mais prolongado, de até 120 meses, para a vigência dos contratos decorrentes dos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do artigo 24 da Lei de Licitações, atinentes à dispensa de licitação em contratos que versem sobre segurança nacional e temas de interesse tecnológico.
(…)
V – às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, cujos contratos poderão ter vigência por até cento e vinte meses, caso haja interesse da administração.
Dessa forma, alguns contratos poderão ter vigência por até 120 meses, caso haja interesse da Administração.
Por fim, o art. 2° da MP n° 495/2010 prevê que as condições inseridas nessa MP aplicam-se as licitações realizadas na modalidade Pregão.
Art. 2º O disposto nesta Medida Provisória aplica-se à modalidade licitatória pregão, de que trata a
Desse modo, analisando as inovações trazidas pela MP, entendo que de fato a produção nacional deve ser defendida, porém essa não foi a melhor opção. O Estado deverá investir em políticas públicas, diminuição de impostos, medidas que possam garantir a produção nacional, trazendo um retorno para a sociedade brasileira, porém de forma mais transparente e menos onerosa para o poder público.
A MP está em contramão com a competitividade, a isonomia, a obtenção de propostas mais vantajosa, enfim em flagrante desrespeito aos princípios norteadores da licitação elencados na nossa Constituição Federal.